O Vampiro de Londres - Parte 2
(Confissões antes de ser enforcado)
Mal entrou em meu laboratório, matei-a. Como, não me recordo.
Chupei boa parte do sangue de Archie e de Rose. Sentia-me protegido por uma mão invisível Estava tão seguro de mim, que deixei os cadáver a descoberto enquanto ia comprar uma máscara de gás e um segundo recipiente para o ácido. A máscara como já expliquei, servia para evitar-me as náuseas com as emanações do ácido súlfurico que se desprendiam da minha “mistura”. O novo recipiente era para a mulher. Deixei Archie e Rose em perfeito repouso. Dissolvi o primeiro sexta-feira, à tarde. E no sábado à tarde o belo corpo que em vida constituíra a fascinante Rose Henderson se derreteu no ácido como um boneca de cera no calor. Sua forma forma e cor desapareceram lentamente , gigantescos pedaços de açúcar que eu remexia com um longo bastão, contínua, paciente, serenamente...
Retorne a Brighton, trite praia popular, e paguei no hotel a conta dos Henderson. Levei comigo suas malas e Pat, o cachorro, e voltei para casa.
Precisava agora acalmar as suspeitas de quantos pudesse inquietar-se com o desaparecimento do jovem par. Escrevi ao dono da casa dos Hederson, em Fulham, e ao irmão de Rose em Manchester, imitando com perfeição a caligrafia e a assinatura da jovem senhora. Com extrema sagacidade, arranjei um papel com o timbre do hotel Metrópole.
Explicava que, devido a certas dificuldades, a família Henderson decidira emigrar para a África do Sul, encarregando a mim, John Haigh, de cuidar de todos os seu negócios.
Os Henderson morreram no dia 13 de fevereiro. No dia 17, recebi uma chamada telefônica do irmão de Rose, Arnold Burlin. Ele, de sua parte, já havia telefonado ao dono da casa de sua irmã.
“Que está acontecendo?” me perguntou.
“Não se preocupe – disse-lhe. – Fiz um acordo com Archibald. Emprestei-lhe 2.500 libras antes de sua partida. Acertamos que se ele não me reembolsar dentro de dois meses, seu carro e sua propriedade passarão ao meu poder. Se você quiser posso mostra-lhe a carta que Archibald me escreveu pedindo-me que acerte a conta do hotel de Brighton e cuide de Pat, seu cachorro. Tenho também um contrato com nossas duas assinaturas.
Preparei estas duas falsificações, e bem.
Burlin, receoso, foi a Brighton. No hotel, confirmaram-lhe que eu fora recolher o cachorro e pagar a conta. Alguns dias depois, Burlin veio-me buscar com sua mulher. Já tinha me preparado para a visita. Expliquei-lhes que a partida dos Henderson se devia a uma briga entre eles. Quiseram afastar-se de Londres para não envolver a família em seus assuntos.
Acompanhei Burlin à estação em meu carro, pois voltavam de trem para Manchester.
De repente a senhora Burlin se inclinou e recolheu do chão do automóvel um livrinho. Exclamou:
“Mas é a pequena agenda de Rose!”
Tive bastante presença de espírito para responder imediatamente:
“Que maçada! Evo tê-la deixado cair quando trouxe seua mals de Brighton.”
Mas o incidente tinha gelado o ambiente. Antes de subir no trem, Arnold Burlin disse-me:
“Se minha irmã e meu cunhado não tiverem reaparecido na segunda-feira eu avisarei a polícia.”
Mentalmente, inscrevi então Burlin, sua mulher e seu filhinho na lista de minhas próximas vítimas.
Ele devia ter ligado para a polícia na segunda-feira, porém no sábado recebeu a seguinte carta:
“Querido Arnold:
Há muito tempo não tens notícias nossas. Receio que estejas preocupado. Infelizmente, Archie percebeu que eu pensava deixá-lo assim que tivéssemos regressado a Londres. Esta é razão pela qual discutimos em Kingsgate. Acusou-me de aborrece-lo e de gastar muito dinheiro. Ameaçou suicidar-se se eu o deixar. Só havia uma coisa a fazer: agir com rapidez. Archie pedira dinheiro emprestado dinheiro a Jonh Haigh (que você conheceu em Berkeeley), de modo que pus em ação um plano que tinha projetado para esta eventualidade. Por enquanto funciona bem, ainda que tenha se limitado a mentir por algum tempo. Pensava em estar com vocês no final desta semana, mas devemos tomar algumas precauções, ao menos por três semanas. Por isso, evitamos frequentar os lugares onde Archie vai comumente. Agora, ele está amabilíssimo e bebe rarissimamente. Terça-feira próxima estaremos em Newcastle. Queria somente dizer-te isto. Entenderás tudo quando nos vermos. Espero que John Haigh esteja bem. A temperatura está bem mais amena, e eu teria feito melhor se tivesse comigo mais algum vestido, mas não voltarei a Dawes Road para buscá-los antes de nosso reencontro definitivo. Espero que todos esteja bem. Não fiquem preocupados. Carinhos para Mumsy."
Estava assinado Rose, com um traço rápido.
A assinatura enganou Arnold Burlin inteiramente. Durante o meu processo, Burlin observou que Rose usara o cognome "Mumsy", ao passo que que, habitualmente, dizia "Mummie". Também havia erros ortográficos, mas ele, a principío, não dera importância, ao pensar no estado especial em que devia encontrar-se sua irmã.
Admito-o. Às vezes cometo erros de ortografia. Também Napoleão os cometia. Um desses erros fez com que a polícia me prendesse, certa vez, por que em uma falsificação esqueci o "i" da palavra "sociedade".
Algum empo depois Burlin me telefonou para saber se tinha notícias de seus parentes. Depois de alguns dias, enviei-lhe um cartão postal colocado em uma caixa de correio em Rugby e assinado "Rose". Passado um tempo, ele pensou em contratar um detetive particular. Aconselhei prudência, dizendo-lhe que talvez Hendereson tivesse algum problema, no qual era melhor não imiscuir a polícia.
Para dar um fim àquele assunto, decidi realizar a grande jogada. Escrevi uma carta de quinze páginas a Burlin, assinada por Rose. Conhecia tão bem a vida íntima dos Henderson, que de imediato os esbirros e os peritos da Scotland Yard elogiaram aquela carta como uma obra-prima da falsificação, do que eu estou tão orgulhoso como Rembrandt poderia estar de sua melhor pintura. As falsificações são, para mim, uma arte. Minha vocação de falsário remota, por outro lado á minha infância. Já na escola eu imitava a assinatura de meus professores.
Com esta carta de quinze páginas consegui convencer Burlin de que os Henderson se preparavam para deixar a Inglaterra e emigrar para a África do Sul. A carta explicava que os Henderson tinham-me deixado sua propriedade para ressarcir-me do empréstimo. Indicava, ainda, seu novo endereço: Lista dos Correios, Durban (África do Sul).
Arnold Burlin veio a Londres para liquidar as coisas de sua irmã. Recebi-o com amabilidade, dizendo-lhe:
"Por certo, Rose não foi carinhosa ao partir sem despedir-se de sua velha mãe cega".
Essa velha, além disso, cedo provocou terríveis complicações. Em fevereiro de 1949 adoeceu gravemente e Burlin enviou uma telegrama a Rose, que ficou sem resposta.
Então, telefonou-me e disse:
"Estou preocupado. Acho que na primeira oportunidade que for a Londres irei falar com Scotland Yard".
"De acordo" -disse eu-, porém antes venha ver-me.
"Entendo", respondeu ele.
Não pude deixar de sorrir, do outro lado do fio.
"Sim - prosseguiu Burlin -, gostaria, certamente, que você viesse comigo, por que é você quem tem todos os documentos sobre o assunto."
"É verdade - assenti. - E, ouça, não poderia trazer com você sua mulher e o menino? Gostaria muito de vê-los."
"Prometo-o."
"Bem - disse eu, concluindo -, preparei tudo do melhor modo possível para atendê-los".
"Você é muito amável", respondeu-me o imbecil.
Três ou quatro dias mais tarde morreu a velha senhora Burlin e isso atrasou a viagem de Burlin a Londres. No dia seguinte, lendo o jornal da manhã, Arnold Burlin encontrou uma crônica policial que anunciava o desaparecimento da rica senhora Durand-Deacon. Preocupado com o luto recente e com sua inquietações familiares, ele leu distraidamente a notícia; mas a última linha do artigo o sobressaltou. O jornal dizia:
"No dia do desaparecimento, a senhora Durand-Deacon tinha um encontro em um grande armazém com um certo senhor John George Haigh, o qual se apresentou à polícia, sendo ouvido longamente, tendo-se voluntariamente proposto a colaborar com a busca.
Faltou pouco para que Arnold Burlin não desmaiasse. De repente, ele tinha compreendido tudo. O desaparecimento de seus familiares, o que teria acontecido com ele e à sua mulher e seu filho se tivesse vindo ver-me. Mal teve forças para apanhar o telefone e disca o número 9 para chamar a polícia. Eu estava perdido.
Enquanto acontecia tudo isto, deu-se a história de Mary, minha vítima número 8. Encontrei essa em Eastbourne, onde estava passando férias, ou a trabalho, já não me lembro bem. Em todo caso, não era dali. Dela apenas conheço o nome, Mary. Conversamos longamente e pedi-lhe que viesse comigo a Hastings para jantar. Fomos a um café próximo ao mar. Estávamos no final do verão ou em princípios de outono, em todo caso nos últimos dias quentes. O sol poente transformou por um momento o mar em sangue. Estremeci. Olhei para Mary e disse, tolamente:
"É belo, não é? Parece, exatamente, um cartão postal colorido."
Na verdade, longe daqueles pensamentos comuns, eu me sentia dominado pelo meu sagrado desejo. Levei Mary para Crawlet, sem esforço. Entramos no meu laboratório de Leopold Road e, sem demora, apanhei um objeto contundente pelo cabo e golpeei-lhe selvagemente a cabeça. Depois cortei-lhe a garganta e me atirei avidante sobre a ferida.
Durante a noite tive o costumeiro sonho, satisfeito que me via sempre depois de cada crime. A aparição ofereceu-me o copo de sangue e deixou que eu bebesse em longo sorvos.
Mary tinha sotaque galês. Lembro seu vestido branco e azul e seus sapatos brancos decotados. Não havia quase nada em em seu bolso, a não ser um vidrinho de perfume. Jamais consegui descobrir seu nome, nem tampouco a polícia.
Falarei da nona pessoa "morta" por mim. Esta é a expressão que desejo usar. Não me agrada chamar o que eu fazia de "assassinato", por que dá uma impressão de crueldade e sofrimento. "Matar", pelo contrário, era o resultado inevitável da vontade de um Espírito de grande poder que me guiava, ordenando que bebesse o sangue dos homens. O homem é apenas um brinquedo nas mãos do Ser Supremo.
Essa mesma força agora decretou que chegou para mim o tempo de morrer e eu aceito seu julgamento divino. Por outro lado, estou cansado. Meus olhos não podem mais. Li e escrevi muito, e tenho pressa em concluir estas Memórias. Para poder prosseguir escrevendo vejo-me obrigado a colocar os óculos com armção de ouro do doutor Henderson, minha sexta vítima.
Mas vamos ao que aconteceu à senhora Olive Durand-Deacon, a última pessoa desta Terra de quem bebi um copo de sangue. Quando a encontrei, era uma dessas mulheres "no acaso de sua vida", para usar as palavras do "Ministério Público" em meu processo. Devo admitir que com ela fui muito descuidado, o que não é próprio da minha maneira de ser. Usualmente, gosto de dizer que prefiro uma injustiça a uma desordem. mas me sentia de tal modo protegido pela força superior que me dirigia, que esqueci de tomar as precauções mais elementares.
A senhora Durand-Deacon vivia na mesma pensão familiar onde eu me alojava, em Kensington. Ali a conheci. Eu agradava à velha senhora por que falava de música, de arte, de literatura. Mantínhamos também conversas filosófica e religiosas. Ela escrevera um livro intitulado "Assim fala Deus". Eu também fizera algumas conferência em algumas congregações religiosas. Recordo que comova as ouvintes a ponto de lhes fazer brotarem as lágrimas. Eu também havia escrito alguns artigos em diversas revistas teológicas. Tudo isso me granjeou as simpatias da senhora Durand-Deacon, que me via apesar dos meus quarenta anos, como "um jovem verdadeiramente bem dotado".
Durante o processo, o público foi informado do ridículo motivo que a induziu a ir ver-me em meu laboratório. A velha senhora sofria por ter perdido as unhas, e eu lhe dissera que, talvez, conseguisse fabricar-lhe umas com matéria plástica.
E foi assim que ela saiu para sua última viagem no dia 18 de Fevereiro de 1949.
Matei-a com um balaço na nuca. Depois fiz a incisão em sua garganta e bebi um copo de seu sangue. Levava uma correntinha com uma pequena cruz ao redor do pescoço e senti um prazer extraordinário em espremê-la.
O sistema para me desembaraçar-me do cadáver já se fizera automático. Além disso, para a senhora Durand-Deacon eu prepara com antecedência o barril de ácido.
Já disse que, desta vez, fiz todas essas operações descuidadamente. Comprara o ácido dando o meu verdadeiro nome. Queimei apenas parcialmente a bolsa da senhora Durand-Deacon, e os agentes da polícia encontraram fragmentos. Não dissolvi o corpo por inteiro, visto que foram encontrados restos suficientes para justificar a acusação de assassinato.
Na verdade, nem tudo tinha sido fácil, para mim, com a senhora Durand-Deacon. Imaginem que precisei embutir aquele cadáver de 90 quilos em um pequeno barril. Mas isso não é o suficiente para explicar minha negligência. Provavelmente estava cansado de matar, e não via a hora de terminar aquela missão que a divindade superior me confiara, e tinha a necessidade de descansar, ainda que fosse no imundo pedaço de terra reservado aos justiçados.
Fatigado pela manipulação do pesado cadáver da velha, saí para tomar uma xícara de chá. Quando retornei, lembrei-me de que deixara a porta aberta! Qualquer um poderia entrar e ver o cadáver.
Matei a senhora Durand-Deacon numa sexta-feira. No domingo seguinte estava em casa de amigos. Uma jovem disse-me de repente:
"Não me olhe assim!"
Afastei o olhar, mas continuei tentando vê-la mentalmente.
Então, ela disse:
"Sinto que continua olhando para mim."
E de repente gritou:
"Assassino!"
Aquele poder de adivinhação-embora não esteja de acordo, como expliquei, com a expressão "assassino"- pareceu-me incompreensível.
Rapidamente os policiais, que investigavam o assassinato da senhora Durand-Deacon, descobriram os vestígios de seu corpo e de suas roupas. Meu destino cumprira-se.
Agora que tudo terminou e cheguei ao final da minha narrativa, quero ainda acrescentar algo.
Um dos meus últimos pensamentos é para Pat, o cão dos Henderson. Foi u grande amigo para mim, e estou muito contente em por ter feito algo em seu favor, confiando-o a quem saberá cuidar dele.
Poderá ser uma pequena vaidade (que bem se pode perdoar a um homem prestes a morrer), mas gostaria que a roupa que vestia durante o processo fosse entregue ao Museu de Cera de Madame Tussaud, para vestir meu boneco. Gostaria que remetessem para lá, também, minha meias verdes e minha gravata de quadradinhos vermelhos e verdes. Espero que minha efígie em cera se assemelhe a mim. Desejo que o zelador do Museu cuide que minhas calças mantenham sempre um vinco impecável. Engordei na prisão, o que não me agrada. Espero que, em efígie, me modelem uma linha mais esbelta.
Há ainda uma divertida revelação que vou fazer: as primeiras experiências com ácidos eu as fiz na prisão, quando estive detido por falsificação. Durante certo período me colocaram para trabalhar na fábrica. Ali havia toda espécie de ácidos. Eu fiz um acordo com os presos, que trabalhavam nos campos, para que me trouxessem ratos do campo. Ficava observando , durante horas, a lenta decomposição do rato no ácido. Foi uma experiência que se tornou muito útil para mim, mais adiante, quando precisei fazer desaparecer homens. Homens e toupeiras, como diz a Sagrada Escritura...
Meu processo aborreceu-me. Tinha a impressão de assistir a projeção de um filme pela segunda vez. Mas, não obstante, divertiu-me o modo como certas testemunhas acrescentavam pormenores picantes à minha história.
Entre os inventos que eu estava terminando quando fui detido, havia um sistema para impedir qualquer vazamento de gás nos apartamentos. Teria salvo, assim, milhares de vidas. Esta obra de salvação pública foi interrompida para preservar a vida de três ou quatro pessoas que eu ainda teria, talvez, feito desaparecer.
Seja como for, não me envaideço de minhas aventuras. O destino pesa, agora, demasiado sobre meus ombros. Penso sempre neste versículo do Eclesiastes: "O que foi feito, tinha de ser feito."
Sei que a partir da porta de minha cela são necessário apenas quinze passos para chegar ao patíbulo. São poucos para alcançar a eternidade. Vejo a chuva banhando o cimo dos álamos para além do muro da prisão. Inspira-me o mesmo desejo que às vezes sentia sob a fronde de um magnifico bosque quando, solitário, buscava uma meta que talvez não existisse.
Penso nas palavras escritas por um grande home da antiguidade, não sei exatamente quem. Parece-me oportuno citá-lo agora:
"Não antes que os teares se detenham e as lançadeiras parem de deslizar, Deus desenvolverá o tapete e revelará seu motivo."
Nasci no dia 24 de Julho de 1909, em Stanford, no Linconshire. Minha família estava naquele tempo, na miséria. meu pai tinha trinta e oito anos e minha mãe quarenta. Meu pai era eletricista, mas sem trabalho. Meus pais não tinham dinheiro nem para comprar um bercinho para o menino que ia nascer. Minha mãe estava convicta de que os meses de sofrimento e de preocupações que antecenderam o meu nascimento foram a causa daquilo que ela chama a minha enfermidade mental.
"É culpa minha -disse ela- por que não compareci diante do juiz junto com o George. Sou responsável pelo que lhe acontece."
A situação dos meus pais melhorou muito meses depois. Ambos eram muito piedosos. Meu pai dirigia uma comunidade religiosa. Criaram-se numa atmosfera inumana, pior do que num mosteiro. Não conheci nenhuma das alegrias que os meninos desfrutam habitualmente.
Na fronte de meu pai há uma cicatriz azulada, uma espécie de cruz deformada. Ele me explicou que aquilo era a marca de Satanás. Tinha pecado e o Diabo o castigou.
"Se cometes um pecado -dizia-, Satanás te castigará do mesmo modo.."
Durante anos fitei a fronte das pessoas para ver se estavam marcadas com um sinal azul, mas como ninguém o tinha eduzi que meu pai era o único pecador, e que o resto do mundo era inocente.
A cada noite fazia meu exame de consciência. Se tinha algo a censurar-me, com um grande medo eu me olhava no espelho para ver se tinha aparecido em mim a infamante marca na fronte.
Fui à escola até os dezessete anos. Fiz parte do coro da catedral. Nos domingos, levantava-me às cinco para assistir o primeiro serviço. Permanecia na igreja o dia inteiro, até a cerimônias da noite. Ao voltar para casa, encontrava meus pais rezando e me unia a eles
Por causa desta vida estranha, os meninos da minha idade fugiam de mim. Contudo, eu sempre estava disposto a ajudar o próximo. Adorava os animais. Dava meu lanche aos cachorros vagabundos. Amava também os coelhos e os pássaros.
Em 1927, aos dezoito anos, senti a imperiosa necessidade de exprimir o misticismo religiosos que extravasava em mim: enviei a um a revista um artigo, "A degradação do homem", que foi publicado.
Acreditava ter uma grande missão a cumprir entre os seres humanos. Comecei a falar nas congregações religiosas. A primeira vez que descobri esta coisa extraordinária: tinha o dom da palavra. A multidão de fiéis ouvia-me palpitante, e corriam lágrimas por suas faces. Meus pais estavam muito orgulhosos com isso.
Fui aquele jovem apóstolo cheio de promessas que se achou, apenas poucos anos depois, encerrado na prisão de Leeds, por fraude.
Que acontecera?
Antes de tudo, foram minha mãos. Minhas brancas mãos de artista, que amei por toda a vida com um espécie de fetichismo inexplicável até mesmo para mim. Na prisão, sofro com a falta de sabão e água quente, que me impossibilitavam de lavá-las várias vezes ao dia. Elas me impediram e fazer um trabalho duro e honesto, pelo risco de pô-las a perder. Mesmo durante as minha operações macabras, quando precisava remover os cadáveres que se dissolviam o ácido, tratava de usar luvas de borracha. Também para dirigir eu usava luvas apropriadas. Tinha um completo estoque de luvas, segundo a cor de minhas roupas e gravatas.
Durante um ano trabalhei em uma de motores, depois outro ao em um escritório e um ano mais na companhia da Shell. Atingi assim a maioridade e resolvi estabelecer-me por conta própria. Com sócio, montei uma companhia de seguros e publicidade; depois, em 1933, uma empresa de anúncios luminosos. Tudo isto me causou muito esforço e pouco lucro. Compreendi que a honestidade não traz benefícios. Em 1934 dei o passo decisivo Além do mais, os homens são muitos estúpidos Eu percebera que o sistema de venda e aluguel dos automóveis estava muito mal organizado e permitira fáceis fraudes a qualquer um que fosse dotado de um mínimo de inteligência. Consegui, portanto, ser contratado por uma empresa de venda e de aluguéis de automóveis.
Naquele mesmo ano, mês de julho, casai-me com uma linda moça de 21 anos, Beatrice Hamer. Casei-me com ela para sair da companhia dos meus pais. Não me agradava então continuar com eles e seus princípio religiosos, agora que tinha escolhido a vida desonesta. Mas a minha felicidade conjugal foi de curta duração. No mês de Novembro fui encarcerado. Tinha vendido máquinas que não existiam.. Minha mulher minha mulher resolveu não tornar a me ver. Durante minha permanência na prisão ela teve uma menina, que depois foi adotada por pessoas desconhecidas. Vive hoje em algum lugar uma jovem de catorze anos que ignora que seu pai sou eu, John Haigh, o homem que chamam de "O Vampiro de Londres". Saí da prisão em Novembro de 1938, e voltei à casa de meus pais, que me perdoaram.
Meu trabalho seguinte valeu-me quatro anos de prisão. Escolhi ao acaso o nome de um advogado na lista telefônica, e sob esse nome abri um escritório na cidade. Vendia aos meus clientes ações que não existiam.
Quando saí da prisão, a Grã-Bretanha estava em guerra. Achei emprego na Defesa Civil. Foram os horrores dos grandes ataques aéreos sobre a Inglaterra que me fizeram abandonar a idéia de um Deus justo e amoroso. Estava certo dia em seu posto de guarda com uma enfermeira da Cruz Vermelha, quando as sirenes se puseram a uivar. Tocavam ainda, quando começaram a cair as bombas. A enfermeira e eu saímos correndo para alcançar abrigo. De repente, senti um zumbido terrível e me atirei debaixo de um portão. Quando me levantei, ferido, uma cabeça rolou aos meus pés. Era da minha companheira que, um momento antes, estava tão alegre e bonita. Como Deus pôde permitir tal horror? Agora não creio mais em Deus, mas sim em uma força superior que nos impele a agir e dirige misteriosamente nossos destinos, ignorando o bem e o mal. Já contei como esta força me impeliu a degolar seres humanos, depois de fazer com que eu tivesse terríveis sonhos que me deixavam sedento de sangue. Justamente a mim, que amo e adoro às mais débeis criaturas, me foi ordenado cometer esses crimes e beber sangue humano.
Não é possível meus nove delitos devem ter explicação em algum lugar fora deste mundo terreno. Não é possível que sejam absurdamente, o sonho de um louco cheio de rumores e de fúria, como diz Shakespeare.
Existe, então, uma vida eterna? Logo saberei. Enquanto espero, adeus...
( E aí galera, qual é opinião de você?)
Obrigadinha Chefa, por uma leitura tão interessante. confesso que me senti triste quando acabou a carta, do meu querido vampiro de Londres. e lendo toda a carta, conclui que ele não passa de uma pessoa com sérios problemas mentais.
ResponderExcluir^^ Disponha! Também fiquei muito triste, mas é assim que as coisas são! Não podemos negar a sua sede de sangue....
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